Sexto Degrau

Uma portinhola escondida em um local escuro se abria. Tinha a impressão de que essa portinhola não era para estudantes. Olhou para cima, uma escadaria estreita surgia diante a seus olhos. O local era escuro e não havia levado uma lanterna ou sequer um fósforo, mas seguiu. Com medo do que poderia surgir, logo desceu profundamente arrependida de ter entrado ali. No feixe de luz que raramente passava por este sótão, percebeu seu velho casaco preto  repleto de teias de aranhas e seu cabelo ruivo liso escorrido completamente sujo.
No dia seguinte, preparou-se. Com uma lanterna antiga, quase uma tocha, voltou ao mesmo lugar. Através da portinhola a escadaria estreita ali continuava. Com medo, pensou em voltar, mas sentia que algo a prendia naquele lugar, deveria subir. Havia pisado no primeiro degrau e nada sentiu. No segundo, seu medo havia crescido. No terceiro, a pouca claridade vinda de fora, praticamente não existia. Seu medo era maior que sua coragem de subir e descobrir os mistérios daquele lugar. Voltou.


Naquela noite, prometeu a si mesma chegar até o décimo degrau. E cumprindo a promessa, cheia de garra, a menina chegou até a mesma porta que havia descoberto há poucos dias. Viu a mesma escadaria estreita e escura que havia tentado subir, sem sucesso, há dias. Na esperança de que hoje seria diferente, ligou sua antiga lanterna e deparou-se com um bilhete no quarto degrau da escadaria. O bilhete, velho e sujo, dizia: “Bonitas são as flores além do mar, as flores de lá deverão ficar”. Ao lê-lo, sentiu que algo ou alguém a observava. Iluminou outros degraus da escada, porém nada havia. Perante a novidade e ao medo crescente, decidiu que hoje não era bom dia, deveria voltar amanhã.
Amanhã chegou e lá se encaminhou mais uma vez a menina. Subiu até o quarto degrau: nada havia. No sexto degrau: nada havia. Havia, no entanto, aquela sensação de olhos, olhares, pessoas. Procurava, procurava. E o medo a impedia de subir até o fim de novo.
Não se perguntou muito sobre o bilhete que encontrara, apenas queria chegar ao topo, o que o topo escondia. Lá se fora a menina e no sexto degrau, porém havia algo novo. Um desenho como desenho das cavernas. Um desenho que representava várias pessoas escondidas, uma delas inacreditavelmente reconhecível, e algo as cercava ou talvez fossem apenas flores. Confusa e intrigada pelas imagens, desceu os degraus.


Decidida que voltaria lá apenas mais uma vez, no outro dia o fez. Subiu os degraus. No entanto, o sétimo degrau rangeu e um grito abafado surgiu. Assustada demais para continuar, a menina vermelha nunca mais voltou. Da sua memória, esses dias apagou.

Mais velha, mais experiente e mais inteligente (e mais esquecida), a menina-moça reencontrou o bilhete naquele mesmo lugar. Não lembrando das experiências anteriores, a moça subiu. E de lá, a moça nunca desceu. A história se repetia mais uma vez e no desenho do sexto degrau, mais uma pequena flor surgiu.

Elis Regina, 2013.

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