Gato morto
De início, era um gato qualquer, deitado na calçada. Poderia
imaginar que estava dormindo em um horário incomum. Sua pelugem estava intacta
e, ao longe, nada indicava a sua morte. Com barulhos e pessoas passando, o gato
não levantava e sua boca entre-aberta saia sangue.
No segundo dia, seu corpo ainda estava lá, jogado na
calçada. Os pedestres começavam a desviar, sem meramente olhar ao pequeno corpo
daquele gato. Algumas moças, ao ver o corpinho do gatinho insistiam em soltar
gritinhos agudos toda vez que o viam, como se fosse uma aberração. No terceiro dia, seu corpo ainda estava lá, assim como no
quarto, no quinto e no sexto dia, sem qualquer alteração além da putrefação de
sua carne.
No sétimo, oitavo e nono dia uma chuva torrencial lavou a
cidade e, o corpo do gato, exposto a toda chuva e vento, rolou alguns metros
para baixo, deixando parte de seus pelos para trás, revelando a pele do animal. Mais alguns dias se passaram e o gato ainda lá. Agora suas
entranhas já eram visíveis e, mesmo assim, ninguém recolheu aquele ser.
Quando após muito tempo, já não existia carne, nem pele,
apenas os ossos daquele gato estavam expostos, jogados na calçada por onde
inúmeras pessoas passavam e ninguém se apiedava de recolher os restos do que um
dia foi um animal. E assim foi o enterro daquele gato nunca existiu, seu corpo
apodreceu na rua e, nem ao menos, fedeu.
Elis Regina, 2014.
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